
Um
dos textos mais desafiadores e intrigantes que tive a oportunidade de fazer a
leitura foi: O diálogo inter-religioso na
perspectiva do terceiro milênio[1],
de Faustino Ferreira. O desafio imposto, estava exatamente no fato de que
os evangélicos estão constantemente debatendo sobre questões teológicas, já que
as nossas teologias nos definem, algumas vezes separam, e até mesmo segregam.
Portanto, chegamos ao entendimento, que os desafios e sugestões asseveradas
pelo autor no campo do diálogo inter-religioso, cabem perfeitamente em nossa
realidade, inspirando assim, a presente reflexão.
As
primeiras indagações que compreendemos como pertinentes ao tema são: Até que
ponto compreendemos a dimensão da Igreja de Cristo? Ela transcende a nossa
tradição teológica? Ou, melhor, as diferentes tradições teológicas, lastreadas
em verdades cardeais do cristianismo (criação, queda, salvação em Jesus
Cristo), mesmo que dando interpretações particulares. Deverão ser invalidadas?
Portanto,
diante da multiplicidade de tradições (calvinismo, arminianismo, preterismo,
amilenimos, pós/pré-milenismo, teologia pactual, dispensasionalismo, e tantos
outros “ismos”), as tradições são colocadas diante das seguintes posturas: a
recusa ao engajamento discursivo e de respeito ao diferente, ou, a abertura
dialogal respeitando as outras perspectivas. A opção pela primeira postura redunda
na assunção de um fundamentalismo cego, que tenta sacralizar aquilo que não é
sagrado, pois, a teologia, e, portanto, as múltiplas perspectivas que delas
emergem, são meros esforços cognitivos humanos para compreender a Revelação
(essa sim, é sagrada). Como bem asseverou o Reverendo Augustus Nicodemus Lopes[2]:
Concordamos
que não devemos elevar à categoria de inspirados e infalíveis as grandes
confissões e credos da igreja. Tal status é somente das Escrituras. Admitimos o
fato que a teologia é “aberta” pois, trata-se de uma tentativa humana e falível
– de sistematizar verdades eternas reveladas por Deus na Escrituras infalíveis
e inerrantes. As póprias confissões históricas admitem que foram feitos por
concílios passives de erro. Ao mesmo tempo, admitir esta realidade óbvia não é
a mesma coisa que negar a validade permanente das elaborações doutrinárias
contidas nas confissões e credos históricos da igreja(...)Se existe nas
Escrituras a idéia de um corpo doutrinário revelado e final, fechado, coerente,
único...admitir-se a possibilidade de que a igreja sintetize e organize esse
sistema doutrinário
Logo, aceitar a limitação da
nossa tradição é um desafio imposto, muito embora, reconhece-la, não implica em
abrir mão da mesma, já que ela dá sentido à nossa relação com Deus e até mesmo
um certo sentido existencial. Mas, antes de qualquer coisa, aceitar que a o do
outro, lhe consigna os mesmos sentidos.
Uma vez compreendido que a
perspectiva teológica, não é uma complementação do Canon Sagrado, mas sim, uma interpretação de mentes humanas piedosas,
portanto, ainda que piedosas, humanas, devemos agregar a nossa postura de
debatedor, sentimentos perfeitamente compatíveis, para não dizer desejáveis
pelo cristianismo, a saber:
a)
Humildade - O respeito e o diálogo requerem disponibilidade interior
e de acolhimento do outro, que mesmo pensando diferente a respeito de temas
teológicos, pertence a mesma igreja de Cristo.
A maior resistência ao respeito, advém de pessoas ou grupos
fundamentados na autossuficiência, arrogância, e pelo totalitarismo
intelectual. Ser humilde é reconhecer
que somos peregrinos da verdade, juntamente com todos os membros do Corpo de
Cristo, em todo tempo e em todo lugar.
b)
Alteridade[3] - É
necessário reconhecer que o que deveria estar em jogo em um debate teológico é
a “hermenêutica particular” e não a “imposição doutrinária”. Portanto, é
fundamental a abertura desinteressada às convicções do outro e o respeito à
identidade única e irrevogável de sua tradição. Valorizando os processos históricos e
hermenêuticos que redundaram nas compreensões particulares a respeito de temas
comuns.
c)
Fidelidade à própria tradição – Devemos compreender o lugar da
nossa tradição como ancoradouro existencial do nosso cristianismo, não podemos
debater a respeito daquilo que não temos convicção. Logo, é necessário enxergar
com clareza onde os nossos pés estão fincados na tradição cristã. Para
dialogar, não precisamos romper com a nossa tradição, pois aqueles que sabem o
valor de suas próprias convicções, estão em melhor posição para aceitar as dos
outros. É necessário ir além da própria tradição, sem, contudo, romper com a
mesma.
d)
Compaixão – Os nossos debates não podem prescindir: o que somos em
Jesus Cristo, e ao fato de termos sido batizados no mesmo corpo (ainda que
nossa compreensão de batismo sejam diferentes) e que fomos salvos pelo mesmo
Jesus (ainda que nossa compreensão de como se processou essa salvação, sejam divergentes).
Portanto, debater sobre teologia (eu prefiro o termo dialogar) é um exercício
de amor e respeito a unidade da Igreja de Cristo, compreendendo que unidade não
é uniformidade.
Que os nossos debates
teológicos sejam transformados em um exercício de diálogo. Pois o debate
pressupõe a existência de um vencedor, mas, já o diálogo se instaura quando há
abertura para ouvir o outro, que mesmo pensando diferente, é portador de
liberdade e digno de respeito a sua individualidade cognitiva. No diálogo os
dois saem vencedores, pois no encontro e na abertura, há o crescimento de cada
parte envolvida.
Que tais atitudes permeiem os
corações de calvinistas e arminianos, nessa “Dort”[4] pós-moderna que estamos
inseridos, estabelecidas em nossas redes sociais, mercado editorial, e bancos
de seminários. Para que assim fazendo, não venhamos separar aquilo pelo qual
foi pago um alto preço: A salvação dos Santos e a comunhão da igreja de Cristo.
[1]
Horizonte, Belo Horizonte, V. 2, n.3. p. 19-38, 2o sem. 2003
[2]
Verdade e Pluralidade no Novo Testamento, FIDES REFORMATA VIII, Nº 2 (2003):
55-72.
[3]
Relação de sociabilidade e diferença entre o indivíduo em conjunto e a unidade,
onde os dois sentidos inter-dependem na lógica de que para constituir uma
individualidade é necessário um coletivo. Dessa forma eu apenas existo a partir
do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a
partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim
mesmo, sensibilizado que estou pela experiência do contato.
[4]O Sínodo de Dort (também conhecido como o Sínodo de Dordt ou Sínodo de Dordrecht) foi um sínodo nacional que teve lugar em Dordrecht, na Holanda, de 1618 a 1619 pela Igreja Reformada Holandesa, com o objectivo de regular uma séria controvérsia nas Igrejas Holandesas iniciada pela ascensão do arminianismo
[4]O Sínodo de Dort (também conhecido como o Sínodo de Dordt ou Sínodo de Dordrecht) foi um sínodo nacional que teve lugar em Dordrecht, na Holanda, de 1618 a 1619 pela Igreja Reformada Holandesa, com o objectivo de regular uma séria controvérsia nas Igrejas Holandesas iniciada pela ascensão do arminianismo